Lembra-me
o tempo, que escoa como água entre os dedos das mãos, imagens, momentos, que se
eternizam como a frieza do gelo ou fogo. Eu era ainda um adolescente. Um menino
que sonhava ser um monte de coisas, inclusive, jogador de futebol. E por isso,
lá naqueles lindos idos, tínhamos em Jaguaribe, um time. Freqüentemente
jogávamos contra o Estrela do Mar, Colégio Afonso Pereira. 7 de Setembro, o
Duque de Caxias...Como líder do time,acertei um jogo além fronteiras. Faltava-nos
desfiar um outro bairro - que poderia ser
Cruz das Armas, Torre, Roger... – mas o América do Varjão, me instigava. O América era um time com formação
infanto-juvenil e amador; um time de segunda Divisão no esporte paraibano. O
nosso, treinava num campinho, no final da Floriano Peixoto, com garotos na
idade entre doze e quinze anos.
Morávamos em Jaguaribe, íamos à missa das
sete trinta das manhãs do domingo, senão Frei Albino Schenneider (tio da atriz
alemã, Rommy Schenneider) na nos permitia a entrada para os jogos, lá no
Estrela do Mar – para assistir os jogos ou jogar. Tínhamos ruas calçadas,
esgoto, um bairro fantástico. Não havia sentimento de diferenças sociais. Mas,
o Varjão, me fascinava, quando à noite, eu ouvia a batida frenética dos
tambores da Umbanda ou as emboladas dos cantadores do Coco. Também, ficava
torcendo, para que aquele ônibus, superlotado, na descida do ABC para Varjão,
não faltasse o freio; e na subida, não faltasse a força. Lá do final da
Floriano, eu avistava o Rio Jaguaribe. Segundo Jpsé Marcelo, divisor de
territórios, também, no comportamento, no jogo, no drible. Sabíamos que
enfrentar o América infanto-juvenil, era uma tarefa que ia além de um simples
resultado. O time do Varjão era valente. O campinho de pouca grama mas, com
dimensões e áreas demarcadas, ficava hoje, onde está essa magnífica praça de
esportes, perto da Igreja e S. Francisco. Me chamou a atenção, a estrutura do
bairro. Um desencanto que se misturava ao som dos tambores,que soavam noite
adentro, com a água que escorria, não de maneira cristalina, por entre os dedos
das mãos. Mas, de uma deformidade suja,rastejando devagar num esgoto a céu
aberto, por entre os dedos dos pés. Século XX, água encanada, casas sem fossa,
esgoto com destino a tratamento... tão perto e tão distante! Só o esporte nos
unia. Aquela garotada confiante,aquela vontade de matar a sede com
convencimento, com amor.
O
jogo terminou. Conseguimos um a zero, com um gol de craque, de Airton. Pra
quê...? Não conformados com o resultado, nós saímos corridos “na pedra”, coisa
fácil de se achar! Aquelas pedras de ferro, sabe, que se encontram em
abundância na região do rio Jaguaribe. Jogamos, vencemos e...corremos.
Hoje, venho diàriamente ao agora Rangel e,
para tristeza minha, aquela 2 de Fevereiro, tão cheinha de água correndo à céu
aberto, continua pedindo ao sol, que não faça chuva. Porque existe uma evolução
fantástica, nesse bairro tão guerreiro, tão cheio de talentos, nas artes, nos
espotes, na luta pela liberdade. Os emboladores de Coco, viraram rockeiros,
funkeiros, hip hoqueiros, capoeiristas, artistas. O CRAC, bem defronte ao
campinho do América, joga contra a violência das pedras do crack. Tão
diferentes daquelas pedras que foram atiradas em nós e nem nos atingiram. O
esgoto da 2 de Fevereiro é ainda à céu aberto. Uma rua, símbolo de um bairro,
ligação direta do centro ao sul da capital. Não esconde. Mostra a sujeira que
está soterrada, nos esgotos de outras tantas linhas de ligação interurbanas de
João Pessoa.
Texto:Eudes Nazareno
Postado Por: Edson Silva