sexta-feira, 19 de abril de 2013

O SANTA ISABEL

             

           A minha tranferência do Ortotrauma de Mangabeira - o Trauminha - após quase vinte e quatro horas estendido sobre uma maca, em um dos corredores, por falta de espaço nas enfermarias daquele centro de atendimento ortopédico, onde a cada minuto chega gente com ossos quebrados, num vai-e-vem de funcionários juntos com enfermeiros, técnicos, maqueiros e médicos, para o Hospital Santa Isabel, no centro da capital, foi como sair de um campo de concentração e ir para uma pousada. Pelo menos foi o que ficou para mim na primeira noite,como impressão. Os longos e estreitos corredores de piso branco, estreitos, de paredes de azulejo igualmente brancas, com aberturas de janelões e largas portas das enfermarias, um espaço que me levaram até o chamado Anexo do Ortotrauma,recém-construido pelo Santa Isabel, mantido pela prefeitura de João Pessoa, locado pelo Ortotrauma, de responsabilidade do governo do estado. São cinco efermarias constando em cada uma seis leitos bastante apropriados para as exigências de enfermos. Banheiro espaçoso, diariamente higienizados e - pasmem!- ar condicionado. Quase nove da noite quando ocupei o leito nº 97. Nada de roupas tipo camisetas, bermuda ou vestimentas do dia-a-dia. Um pijama - calção e camisa listrados de azul e branco, logomarca da PMJP, seria o tom que tornaria todo iguais, homens e mulheres, cada nas suas enfermarias, fantoches, duendes, múmias de braços ou pernas com talas, gêsso e faixas  que, aos poucos, iam virando atores interpretando um difícil texto de direção sem rosto, mas com a marca registrada da qualidade sem talento de nome SUS - Sistema Único de Saúde. Bastante único para se pluralmente falho. A Torre de Babel por onde circula o funcionamento dessa engrenagem enferrujada, torna muito lento o processo de recuperação do paciente. Às vezes uma simples cirurgia, por exemplo,  de um dedo (não que não tenha importância), que tomaria uns vinte minutos para a realização, leva vinte ou trinta dias de espera. A visita médica a cada manhã entre as sete e meia às honze horas, enche de esperanças os "novatos" que nos primeiros dias esperavam um agendamento para "a próxima quarta-feira", que ia se transformando na quinta-feira, se prolongando para a sexta, sábado, para  cair na real da  manhã do domingo insôsso, quer dizer, domingo de pijama listrado e osso quebrado; que começava com o mesmo café antes mesmo das seis horas, com um "bom dia!" da copeira e remedinho da enfermeira. O que mais me chateava era ter que comer com uma colher de baquelite, papa de aveia num copo descartável ou fruta, feijão, arroz e macarrão com peixe ou frango (não como carne vermelha), no almoço, com colher descartável e à noite, jantar quase antes das seis, batata  doce, arroz e mistura, com colher de plástico. Já ia aí pelo décimo dia e os pacientes que lá estavam quando eu cheguei, já eram"impacientes". A maioria desses contribuintes vinha de cidades que ficam a quinhentos quilômetros da capital, que nem sonhavam que um dia viriam até aqui, numa viagem bem longe de ser um turismo e na realidade de uma ambulância da prefeitura da cidade. Que partiam de um sonho com fraturas no corpo, na esperança de cedo voltarem aos seus lares mas que logo iriam sentir na pele, a verdade estampada nos telejornais de imagens geradas nas realidades de uma cidade grande, fartamente transmitidas até suas casas tranquilas, de praças amigas e anoitecer mais romântico. O amanhecer na cidade onde o sol nasce primeiro, antes das cinco da manhã, era um descortinar diferente, com os raios avermelhados, delineando paisagens de prédios, arranha-céus, um leve cantar de poucos pássaros para logo, em alguns minutos, deixar vibrar com força, o ronco dos motores, de sirenes...Cada leito uma história, uma visão, um suspiro de compreensão, ou olhar de revolta, controlado por um "Deus sabe o que faz", para alívio do sistema, que tem na palavra o prefixo de ironia: SUS de suspense, mais um sufixo de resignação: pense. E aí, a porta da enfermaria é repentinamente aberta com um "bom dia" irradiante da copeira simpática perguntando "vai de papa, café com leite, mamão ou outra fruta, pão (enrolado num plástico, quase sempre sem margarina)..." e mais um dia de rotina. Na sala da televisão, o programa policial, mostrava "colegas" que, com certeza, eram atendidos pelos mesmos para-médicos e motoristas das mesmas ambulâncias do SAMU. Muitos, diante daquela TV, nem imaginariam que um dia, estariam bem alí, sendo atores e telespectadoes de um mesmo filme. Como eu. Logo alguém avisa: "o médico chegou!" E lá vamos nós, para a inoperante visita.
               Plim...plim...
 
                  Texto e Postagem:Eudes Nazareno.
 

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